sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Foi-se o tempo que havia tempo


Parei um instante para pensar o tempo. Em minhas aulas de literatura, tenho estudado bastante sobre a modernidade e como a noção de tempo se desfez do século XX pra cá. Faz todo o sentido. No século XX tivemos diversas guerras, incluindo as duas Guerras Mundiais, tivemos grandes colapsos financeiros, tivemos regimes totalitários por todo o mundo. Era uma vez alguém nascido no século XX que percebeu que a História acontecia enquanto se vivia, e não nos grandes livros e manuais do passado. Era uma vez a história presente. Foi quando se perguntou pela primeira vez: tempo? 

De um dia para o outro, já não havia mais respiro de um dia para o outro. Era uma vez uma carroça que se transformou num carro, era uma vez um carro que se transformou num trem, era uma vez um trem que se transformou num jato, era uma vez uma sonda no espaço... Espaço? De um dia para o outro eu atravessei o mundo. Romperam-se as distâncias. Deu em todos os jornais. O que eu ouvi do meu avô para contar aos meus netos, de repente, estava impresso — e nem era em revista quinzenal! Não bastava mais o cotidiano do jornal. Não bastava mais os boletins hora-em-hora da TV. De hoje em diante, a cada segundo tudo pode acontecer, é piscar o olho para não ver! O que aconteceu com o tempo?

Outro dia, desliguei o celular e descalcei os sapatos. Deitei na grama, acompanhada de um bom livro. E respirei. E me lembrei! O livro contava histórias sobre contadores de histórias. Respirei antepassados e uma infância sem relógios. Sabe-se lá quanto tempo durava a brincadeira.Sabe-se lá quantas horas eu passava dançando nos galhos de uma árvore, a devorar amoras feito passarinho. Sol batendo de mansinho no meu rosto, preguiça gostosa de não saber que horas são. Acordei da preguiça e decidi voltar. Depois de me reconectar com a terra, reconecto o celular. Ainda não sei quanto tempo passou, menos que o suficiente para terminar o livro. Mas os minutos, supostamente perdidos, me foram cobrados um por um. "Você não responde minhas mensagens?"; "Professor mandou e-mail com as próximas leituras"; "Mais uma reforma tramita no Congresso Nacional"; "Saiu o polêmico episódio daquela série que não vi"; "Aonde você estava?". Aonde eu estava? Aonde estamos todos nós? A cabeça nem sabe mais dar conta do tempo que já não temos. Mais uma vez se perguntou: tempo?


Hoje fui à aula de Estudos Literários e a professora me encantou. "Tempo é transformação", ela disse. O que chamamos de tempo já não pode ser determinado pelos ponteiros do relógio. Como se, hoje, minhas duas semanas não comportam mais nem duas horas do que era o tempo alguns anos atrás? Segundos e minutos são as mesmas unidades, mas, com a moderna correção monetária, já não valem quase nada. Sei que minha avó assistia semente dar flor sem a menor pressa. Hoje, compramos flores de plástico e ainda reclamamos da fila do mercado. Estamos sempre atrasados, mas nunca sabemos para quê. Voltando à aula de Estudos Literários (história da literatura e invisibilidades), me pergunto: como pensar o tempo se já extrapolamos o calendário? Quanto valeu o futuro? Quanto vai valer o passado? Era uma vez o tempo em que aproveitávamos o tempo, bendito passado dourado. Mas, se, em literatura, toda leitura é uma releitura, não há como existir passado, a menos que ele esteja presente. Paradoxos literários. Digamos mais, como é possível um passado dourado se, para sê-lo, ele precisa ser constantemente atualizado?

"Tempo é transformação", a professora falou, "Você escolhe a maneira como vai mudar". A verdade é que não existe progresso ou retrocesso, o que existe é a mudança. No fim das contas, o tempo nada mais é do que uma escolha. Já não envelheço de um ano para o outro, apenas me transformo, se para melhor ou pior, depende de como eu escolho mudar. Tempo é escolha e, quando não escolhemos, por ele somos arrastados. Também é uma escolha ficar estagnado e permitir que o mundo mude sem você. Tempo é movimento e, para não se perder no caminho, é bom ter sempre em mente para onde se está indo. E nunca se deixar parar. Até porque, teimar num canto e se deixar empoeirar não vai te impedir de mudar. É você quem escolhe no que vai se transformar.

"Atente ao tempo:
Não começa, não termina
É nunca, é sempre"





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