quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sobre essa falta de representação

Ontem eu finalmente consegui assistir Miss Representation. Trata-se de um documentário que denuncia as formas grotescas como as mulheres são tratadas pela mídia. O título traz muitos significados: misrepresentation significa "deturpação"; miss representaion (com dois S's) significa "falta de representação", mas também faz alusão ao termo "miss", que quer dizer "dama" ou "senhorita", o que resume muito bem o conteúdo do documentário. Eu já tinha lido alguns dos dados no blog da Lola, mas só me dei conta do absurdo da coisa ao assistir o filme na íntegra. Fiquei com medo e me senti presa, parece que ser mulher é não ter pra onde correr, é andar na corda bamba, tentando equilibrar cada vez mais papéis conflitantes que são jogados em cima da gente.

 Lembro da professora Tânia Montoro nos dizendo como foi difícil abrir a disciplina (optativa) "Comunicação e Gênero", porque a reitoria não considerava o assunto importante na formação dos alunos. Ainda bem que a professora bateu o pé, porque eu não acho que esse blog existira se não fosse por ela. Quando eu comecei a escrever aqui, não achei que ia dar um viés feminista pros textos, minha intenção era só analisar discursos e representações na mídia. Mas não teve como deixar o feminismo de lado, não quando essa falsa de representação é tão flagrante.

Os dados de Miss Representation referem-se à mídia estadunidense, mas não é difícil traçar um paralelo com a mídia brasileira. Até porque, vamos combinar, dá pra contar nos dedos os programas que nós não copiamos dos EUA, né? Aqui nós temos problemas seríssimos, é só lembrar daqueles casos patológicos de publicidades como as da Hope e da Marisa, que, mesmo tendo um público consumidor quase que completamente composto por mulheres, ainda apresentam um conteúdo misógino, pra dizer o mínimo.

Na política, quando finalmente elegemos a primeira presidente mulher da nossa história, insistimos em masculinizar seu comportamento, chamando-a de durona, autoritária, rigorosa... Coisa que não aconteceria com um homem ocupando o mesmo cargo de poder, como a própria presidenta argumentou nessa entrevista ao Fantástico. Aliás, quando o time de ministras da Dilma foi escalado (que, aliás, não chega a 30% dos ministérios), a Marie Claire resolveu fazer um perfil com cada uma delas, com perguntas sobre vaidade e família, o que eu nunca vi acontecer com nenhum ministro homem.

Quanto às novelas, quem lê esse blog já deve ter visto alguma coisa a respeito, as representações das mulheres ainda caem nos mesmo velhos estereótipos, salvo raras exceções. Isso porque, já que o texto já tá ficando grande demais, eu nem vou falar do cinema e do jornalismo!

É por isso que a gente tem de continuar fazendo o que a gente sabe fazer: questionar, propor mudanças, apontar os problemas e exigir soluções. Esses dias eu vi um monte de gente divulgando um novo blog, o Escrevendo uma Feminista, e eu pensei "Caramba, mais coisa pra ler?" (porque eu já leio bem uns 10 blogs feministas todo dia). Depois de ver o filme, cheguei à conclusão de que tem que ser assim mesmo. A gente tem que fazer o que pode, de todas as maneiras possíveis. Quanta gente parou pra prestar atenção no sexismo depois de ler a Lola ou a Feminista Cansada? Parece pouco diante da força dessa cultura machista, diante desse povo todo que acha o sexismo uma coisa normal, mas, mesmo aos pouquinhos, a gente tá conseguindo alguma mudança. O negócio é continuar!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Love my nose day

Hoje o relato é pessoal. Pra quem não sabe, hoje é o Love Your Body Day, ou seja, é o dia de amarmos nossos corpos do jeitinho que são, tentando escapar um pouco desses padrões absurdos que nos enfiam goela abaixo todos os dias. Hoje é dia de dizer "Não, eu não quero fazer plástica!" ou "Eu amo cada um desses pneuzinhos" ou, ainda, "Não interessa o que você acha, essa saia fica LINDA em mim!". Apesar de já estar de saco cheio de todo mundo vir reclamar comigo por causa dos meus quilos a mais, já não me importo tanto a ponto de não fazer o que eu não quero, quando e se EU, a dona do corpo, estiver interessada em emagrecer, eu resolvo.
Mas não é disso que eu quero falar. Acho que o LYBD fala sobre auto-aceitação, por isso vou falar do meu nariz. Eu sempre gostei muito do meu corpo, ainda gosto, mas só aprendi a respeitar meu nariz há muito pouco tempo. Imaginem que, lá pelos 8 anos, eu já pedia pra minha mãe pra fazer uma plástica, porque o meu nariz me deixava feia. Com 8 anos de idade eu já achava que sabia o que era ser feia!
Foi assim por muito tempo, eu diria que até cerca de 2 anos atrás, quando eu descobri que boa parte do meu problema era, basicamente, racismo. É estranho falar isso de mim mesma, mas não tem outra palavra. Meu pai é negro, minha mãe era branca e sempre me disseram que eu nasci extremamente parecida com os dois, embora eles fossem bem diferentes fisicamente. Da minha mãe, eu herdei o olhar e os cachos soltos. Do meu pai, eu herdei o formato do rosto

e o nariz.
Ouvi piadinhas a vida inteira, porque meu nariz é largo. Eu detestava meu nariz, porque as pessoas diziam que era feio, viviam me chamando de nariz-de-coxinha, nariz de batata, até de aspirador de pó, por causa do tamanho das minhas narinas. Agora, não é no mínimo suspeito eu ter sido zoada a vida inteira por um traço tipicamente negro?
Acho que o LYBD também serve para mostrar que a gente acha muita coisa bonita porque a sociedade diz que é bonito. Mas é difícil esperar espaço para o meu nariz grosso em um lugar povoado por um racismo velado. Eu penso em quanto tempo eu levei para reparar o quão estranho é Taís Araújo, Camila Pitanga, Sheron Menezes, Rihanna, Beyoncé, todas lindas, terem narizes finos, quando a grande maioria dos negros não os têm. Não é coincidência! É pelo mesmo motivo que Laren Galloway é considerado o bebê mais lindo do mundo, é porque elas são negras com traços de brancos. Não to dizendo que, por causa disso, as moças deveriam ser rechaçadas ou que não deveríamos achá-las bonitas ou, menos ainda, que elas são menos negras por conta de seus traços. Não são elas que devemos questionar, mas o padrão de beleza que nos ensinou que devemos ser diferentes do que somos para sermos considerados bonitos.
Sinto-me estúpida por ter demorado tanto tempo para perceber que o meu nariz não é um problema. Parecia ser muita vitimização achar que o problema são os outros, que tentam me ensinar o que é feio. O problema é esse discurso desculpista que diz "Não é racismo, é a minha opinião pessoal. Eu, particularmente, prefiro olhos azuis e traços europeus", só que essa opinião não tem nada de particular! Todo mundo usa essa desculpa. E é isso mesmo o que é, uma desculpa e eu não vou mais aceitá-la! Agora eu sou dona do meu próprio nariz que, aliás, fica muito bem aonde está.